segunda-feira, 26 de março de 2012

A Câmara de Reflexão

Os princípios da Maçonaria são universais, no entanto, a maneira pela qual eles são apresentados ao profano, quando este bate nas portas dos nossos templos, varia de acordo com o ritual usado em qualquer templo particular. Embora as lições apresentadas nestes rituais possam ser semelhantes, a forma como são transmitidos para o futuro iniciado pode ser bem diferente de uma área para outra.

A maioria dos Irmãos que receberam a sua iniciação nas Américas, Europa, Médio-Oriente e África estará familiarizado com a Câmara de Reflexão. É usada no primeiro grau no Rito Escocês Antigo e Aceito, o Rito Francês, e outros ritos dos mesmos derivados. A palavra ‘câmara’ é um termo arcaico para o quarto e ‘reflexão’, de acordo com o Dicionário António de Morais Silva de Português atual significa Ação de retroceder; Ação de um corpo que muda de direção depois de havido tocar noutro corpo; Ricochete; desvio de direção das ondas sonoras e luminosas; Atenção aplicada às operações do entendimento, aos fenómenos da consciência e às próprias ideias. Albert G. Mackey na sua Enciclopédia da Maçonaria explica que a Câmara de Reflexão é:

«uma pequena sala adjacente à Loja, em que, preparatório para a iniciação, o candidato é fechado com o propósito de se entregar a essas meditações sérias que a sua aparência sombria e os emblemas sombrios com os quais é fornecido são esperados transmitir.»

Esta pequena sala ou câmara, que não necessariamente contígua à sala de Loja, é escura, com as paredes pintadas de preto, ou, imitando uma caverna rochosa no subsolo. Ele contém o seguinte: a mesa tosca de madeira simples em que encontramos: um crânio humano, um pedaço de pão, um jarro com água, um recipiente com sal, outro com enxofre, uma vela acesa, uma ampulheta, tinta, papel e caneta, um galo, uma foice, o sigla V.I.T.R.I.O.L. e vários dizeres.

A CÂMARA

A câmara lembra a si mesmo das cavernas onde os homens primitivos viviam. Na psicanálise, é um símbolo de regressão. É também um símbolo do ventre materno. O profano está regredindo a um tempo de inocência e estado no ventre da sua mãe. Quando ele sai da câmara, será como se nascer como um novo homem. Pelo contrário, a caverna também pode ser o símbolo de uma sepultura, como os túmulos dos antigos nos tempos bíblicos. Assim, a câmara indica, ao mesmo tempo, um começo e um fim: o fim da vida como um profano, e o início de uma nova vida como um iniciado em busca da luz, verdade e sabedoria. Isso também pode ser interpretado como uma forma de ressurreição. Este motivo da morte e ressurreição é mencionada na ‘Imortalidade da Alma’ de Plutarco, deste modo:

A alma no momento da morte, passa pela mesma experiência daqueles que são iniciados nos grandes mistérios. A palavra e o acto são semelhantes: dizemos telentai - para morrer - e telestai - ao ser iniciado.

A CAVEIRA

Juntamente com a foice, e a ampulheta, a caveira naturalmente refere-se à mortalidade e está ligada às referências alquímicas também presentes na Câmara. Os alquimistas procuravam transmutar metais em ouro e prata através do processo de putrefação. Assim importa ao profano transmutar a sua natureza, através de um enterro simbólico na câmara, num novo homem transformado na forma de um iniciado. Na alquimia isso é chamado de “a grande obra”. De facto, o refinamento do homem na transmutação e transformação de um metal base em ouro bruto requer um grande trabalho! A caveira na alquimia, chamada caput mortuum, é o epítome de declínio e decadência.

PÃO E ÁGUA

O pedaço de pão e água são símbolos da simplicidade, apontando para o futuro iniciado e como ele deve conduzir sua vida. O pão é feito de trigo, um elemento ligado às deusas Isis e Demeter. Isis é a deusa-mãe egípcia e também a deusa dos mortos, mais uma vez, dois dos aspectos da Câmara de Reflexão. Além disso, de acordo com a descrição antiga de uma iniciação nos mistérios de Isis por Apuleus, o candidato foi colocado numa cela isolada e posteriormente participou de uma cerimónia na qual ele teve de superar provações. Demeter foi celebrada na grande festa no templo de Eleusis, que ficou conhecida como os mistérios de Eleusis. O pão e a água representam os elementos necessários à vida, mas mesmo que o alimento e o corpo material, sejam indispensáveis , eles lembram o candidato que o aspecto físico não deve ser o objetivo principal de sua existência. Além disso, esses elementos lembram-nos da narrativa bíblica sobre o profeta Elias, que também está relacionado com esses elementos e uma caverna (Reis I, 17:8-11). Ele fundou uma escola de profetas numa caverna na montanha. Além disso, Elias depois de comer pão e água, escalou o monte de Deus, da mesma forma que o futuro iniciado, alimentado por esses símbolos pode suportar os ensaios e seguir em frente escalando a sua própria montanha. Elias, uma vez no monte, também ouviu Deus com a voz serena e delicada, assim como o candidato deve seguir sua voz interior ao longo de sua vida, como podemos ler na Bíblia em Reis 19:5-13.

ELEMENTOS ALQUÍMICOS

Três dos elementos alquímicos usados na grande obra eram sal, enxofre e mercúrio, os quais estão presentes na Câmara de Reflexão. O enxofre é símbolo do espírito, sendo um princípio masculino, referindo-se ao entusiasmo e correspondente à virtude da fé. O sal é um símbolo da sabedoria, sendo considerado neutro, referindo-se à ponderação (algo que o candidato faz na Câmara de Reflexão) e correspondente à virtude da caridade. Mercúrio aparece por vezes como um galo desenhado na parede da Câmara de Reflexão. Este animal está ligado à divindade Hermes, isto é, Mercúrio. É um princípio feminino, referindo-se a vigilância e que corresponde também a fé. Como o galo canta ao amanhecer anunciando a luz do dia, assim que anuncia para o futuro iniciado, a luz que ele pode receber.

A AMPULHETA

Este objeto serve de lembrete da mortalidade. Ele também traz à mente que o tempo corre rápido, apenas como a areia atravessa a ampulheta. Também transmite o significado que devemos fazer bom uso do tempo. Além disso, o candidato é lembrado que, ele deve escrever suas respostas e testamento filosófico dentro do prazo estipulado.

V.I.T.R.I.O.L.

Vitríolo é um ácido sulfúrico ou um sulfato utilizado nas operações alquímicas de outrora. Esta palavra é a origem do adjetivo vitriólico, que significa cáustico ou hostil, referindo-se ao discurso ou crítica. No entanto, no sentido esotérico, é um acrónimo para a frase em latim: Visita Interiora Terrae Rectificandoque Invenies Occultum Lapidem que significa: Visitar o interior da Terra, e retificando-o, encontrará a pedra escondida. Se alguém leva este conselho, metaforicamente, o significado transmitido é que, deve-se procurar dentro de si mesmo, como a verdade está escondida ali, e esta verdade é a verdadeira solução para os nossos problemas. Mais uma vez, um acrónimo muito apropriado para ser colocado na parede antes da iniciação, enquanto o iniciado escrever o seu testamento filosófico.

A BANDEIROLA: "VIGILÂNCIA E PERSEVERANÇA"

Estas duas palavras intimam o candidato que este deve possuir estas qualidades para ter sucesso na sua vida maçónica. Os símbolos, alusões, alegorias e metáforas dos rituais não são simples. O maçom deve analisá-las com persistência, a fim de apreciar a sua riqueza e significado profundo, e ser vigilantes para que as lições aprendidas não devem ser esquecidas.

AS PERGUNTAS

Ao candidato é dado um pedaço de papel com três perguntas, que ele deve responder sinceramente, a fim de prosseguir com a iniciação. As respostas às perguntas do candidato são o ponto inicial para a elaboração de seu testamento filosófico e moral.

O TESTAMENTO FILOSÓFICO

O testamento filosófico fornece um vislumbre da atitude e caráter do futuro iniciado e é único para cada indivíduo. A verdadeira natureza do candidato será escrita pelas suas respostas às perguntas propostas, bem como no seu testamento filosófico. Por outro lado, ele também pode trazer-lhe descrédito, dependendo das suas respostas. Na Câmara de Reflexão, ele tem tempo para reconsiderar o seu pedido de admissão na Fraternidade. Se as suas motivações não são puras como admoestados pelos escritos na parede, ou se ele está com medo e não tem coragem suficiente, então ele não pode ser capaz de manter inviolados os segredos da Maçonaria. Além disso, solitário na Câmara de Reflexão, a perspectiva do iniciado pode refletir nas questões apresentadas, sobre sua vida e futuro. Portanto, a reflexão a que o título desta Câmara refere-se, não é apenas a reflexão do candidato, mas principalmente o reflexo do seu próprio ser interior. Isso poderia levá-lo a desacreditar em determinados casos.

CONCLUSÃO

Mesmo sem ir além do escopo desta exposição, e apresentar o resto do ritual de primeiro grau como é executado na maioria dos países do mundo, podemos imaginar o impacto que esta pequena parte inicial do ritual faz sobre um candidato ao ser conduzido a esta honrosa instituição. A Câmara de Reflexão ensina, de fato, poderosas lições. A verdadeira iniciação é um processo individual interno. Ninguém pode transformar um homem, mas somente nós mesmos. Outros podem orientar e ajudar, mas em última instância, somente o indivíduo é o único que pode realizar a grande obra. A Câmara de Reflexão realmente simboliza este processo. 

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Original em Inglês apresentado pelo irmão Hélio L. da Costa Jr. no Grande Dia Maçónico em Vancouver, Canadá a 16 de Outubro de 5999. Traduzido e editado para português por M.·.M.·. para a R.·.L.·.M.·.A.·.D.·. - Nº 5 sob os auspícios da GLLP/GLRP, a Oriente de Cascais - em 11 de Dezembro de 6011.

BIBLIOGRAFIA:

1. Ambelain, Robert. Scala Philosophorum ou la symbolique maconnique des outils. Paris: Edimaf, 1984. 
2. Bayard, Jean-Pierre. La spiritualite de la Franc-Maconnerie. St-Jean de Braye: Editions Dangles, c1982. 
3. Boucher, Jules. A simbólica maçónica. São Paulo: Editora Pensamento, c1979.
4. Hamilton, Edith. Mythology. New York: New American Library, c1969.
5. Holy Bible. Temple ill. ed. Nashville: A.J. Holman, c1940.
6. Mackey, Albert G. An encyclopedia of Freemasonry. New and rev. ed. Chicago: Masonic History Company, c1927. 
7. Manual de aprendiz maçom segundo o sistema do rito brasileiro. Brasilia: Grande Oriente do Brasil, 1986. 
8. Papus. ABC illustre díoccultisme. 8e ed. Paris: Editions Dangles, 1975.
9. Ritual rito Escocês Antigo e Aceito 1º grau aprendiz. 6a. ed. [Brasília]: Grande Oriente do Brasil, 1986.

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